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Asteroide que matou dinossauros transformou formigas em fazendeiras

Formigas cultivam fungos assim como humanos plantam soja. Agora, um estudo descobriu que a prática começou há 66 milhões de anos, após uma extinção em massa.

Por Manuela Mourão
3 out 2024, 19h00

Quem inventou a agricultura? Os humanos podem até levar o crédito dessa façanha, mas é uma injustiça com as formigas. De acordo com um novo estudo, algumas colônias desses insetos começaram a cultivar sua própria comida há 66 milhões de anos, logo após a queda do asteroide que extinguiu (quase todos) os dinossauros.

Várias formigas ao redor do mundo são conhecidas por cultivar fungos para consumo próprio – elas alimentam esses seres com plantas em decomposição até que eles cresçam e rendam um bom almoço. Mas quando – e como – essa prática começou? A nova análise concluiu que foi na esteira da queda do asteroide.

Pense no cenário: o cataclisma da colisão encheu a atmosfera de detritos e poeira, bloqueando a luz do Sol e impossibilitando que plantas fizessem fotossíntese por anos. Por causa do efeito dominó na cadeia alimentar, a Terra perdeu cerca de 75% de todas as espécies que existiam até então. Mas um grupo se beneficiou do apocalipse: os fungos, que se proliferaram ao consumir toda a matéria orgânica resultante da morte das plantas.

E, para as formigas, isso significou uma oportunidade de parceria. Alguns desses insetos começaram a cultivar os fungos em suas colônias – e a vida de fazendeiras deu tão certo que resultou em uma relação mutualística ainda existente nos dias de hoje. 

Na pesquisa publicada na revista Science, cientistas do Museu Smithsonian de História Natural (EUA) e de instituições parceiras, incluindo as brasileiras Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), analisaram dados genéticos de centenas de espécies de fungos e formigas para tentarem entender quando exatamente as árvores genealógicas dos dois se cruzaram na história.

“As formigas praticam a agricultura e o cultivo de fungos há muito mais tempo do que a existência dos humanos”, conta o entomologista Ted Schultz, curador de formigas do museu americano. “Provavelmente poderíamos aprender algo com o sucesso agrícola destas formigas ao longo dos últimos 66 milhões de anos.”

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O entomologista diz que, para a maioria da vida em nosso planeta, eventos de extinção são extremamente desastrosos, mas alguns organismos conseguem se beneficiar. “No final do Cretáceo, os dinossauros não se saíram muito bem, mas os fungos tiveram um auge.”

Essas espécies provavelmente se alimentaram de folhas em decomposição, e foi nesse momento que a união com as formigas começou. Os insetos se aproveitaram da abundância de fungos para se alimentar, como num grande banquete. A escolha do menu continuou enquanto a vida se recuperava do meteoro, e permanece até hoje.   

Quem são essas formigas?

Fotografia de uma formiga fazendeira.
(Karolyn Darrow/Reprodução)

Pertencentes ao grupo Attini, esses insetos tem vários nomes: formigas cortadeiras, formigas agricultoras e a mais famosa representante no Brasil, a saúva. Capazes de formar ninhos de até sete milhões de indivíduos, esses animais são extremamente temidos nas plantações por serem pragas agrícolas.

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Aproximadamente 250 espécies diferentes de formigas nas Américas e no Caribe são fazendeiras. Sabendo disso, os pesquisadores optaram por organizá-las em quatro grupos, com base nas escolhas estratégicas adotadas na hora do cultivo. As formigas cortadeiras, por exemplo, foram classificadas no grupo que possui as técnicas mais avançadas. Elas cortam folhas e grama, levam até seus ninhos e criam um ambiente ideal para o crescimento de fungos, como alguns cogumelos. Essa comida é a base de colônias de milhões de formigas.

Por 35 anos, Schultz e seus colegas vêm coletando genomas das duas espécies tanto na América do Sul, quanto na Central. Foram essas amostras que foram estudadas. “Para realmente detectar padrões e reconstruir como essa associação evoluiu ao longo do tempo, são necessárias muitas amostras de formigas e seus fungos cultivados”, diz Schultz.

A análise contou com sequências genéticas de 276 espécies de formigas (sendo 208 fazendeiras) e de 475 fungos, dos quais 288 são conhecidos por serem cultivados por esses animais. 

A história evolutiva das formigas era muito mais conhecida, porque os entomologistas conseguiam coletar os insetos e estudar suas morfologias”, conta André Rodrigues, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp e um dos autores do estudo, para o Jornal da Unesp. “Porém, é muito difícil fazer o mesmo com os fungos cultivados pelas formigas, porque eles permanecem em estágios muito iniciais, quando se mostram apenas como pontinhos brancos”, explica.

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Rodrigues ainda diz que outro empecilho é que quando cientistas coletavam amostras de formigas, muitas vezes deixavam de lado seus fungos cultivados, criando coleções cheias de lacunas de informação.

Com a nova análise, foi possível reconstruir o passado evolutivo dos dois grupos. “As formigas domesticaram esses fungos da mesma forma que os humanos domesticaram as plantações”, diz Schultz. “O que é extraordinário é que agora conseguimos datar quando as formigas cultivaram originalmente os fungos.”

O estudo concluiu que, apesar do contato inicial entre as duas espécies ter acontecido 66 milhões de anos atrás, foram precisos outros 40 milhões de anos para que as formigas conseguissem desenvolver técnicas mais avançadas de cultivo e passassem a se alimentar quase exclusivamente das próprias plantações. A sugestão é que esse avanço aconteceu há 27 milhões de anos, quando os insetos finalmente se tornaram mestres na arte do cultivo.

“Até então, as formigas se alimentavam apenas de fungos da família Agaricaceae. Mas, naquele contexto, um gênero de formigas, Apterostigma, começou a cultivar fungos totalmente diferentes, da família Pterulaceae”, explica o micólogo Pepijn W. Kooij, pesquisador do IB-Unesp e também autor do artigo.

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Possivelmente, mudanças climáticas tiveram um grande impacto para que isso ocorresse. Lugares secos, como savanas, se tornaram mais comuns e substituíram florestas tropicais. E aí que o casamento foi selado. As formigas serviram como táxis para que esses fungos chegassem a espaços mais áridos, e consequentemente isolaram-nos de suas populações ancestrais. 

Dessa forma, os fungos se tornaram completamente dependentes dos  insetos para sobreviver nessas condições, o que resultou na rotina praticada pelas formigas cortadeiras hoje em dia.  “Esses insetos se alimentam exclusivamente dos fungos que cultivam, dependem deles para a sua sobrevivência. E o fungo também depende delas para fins de proteção e alimentação, que ocorre por meio do substrato que a formiga coleta e transporta até ele. Isso é um exemplo de mutualismo obrigatório”, explica Rodrigues. Relacionamento tóxico? Talvez.

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