Agora você pode editar o DNA de bactérias em casa
Biólogo americano põe a venda kit que ensina leigos a modificar material genético – e fornece todos os itens necessários para o experimento.
Está à venda um kit que fornece todo o material necessário para executar um experimento de edição genética caseiro em bactérias. A ideia é democratizar o acesso a dupla de proteínas CRISPR e Cas9 – que revolucionou a medicina nos últimos três anos por permitir a modificação de DNA com precisão inédita a preços mais baixos que qualquer outra alternativa disponível até então (entenda melhor aqui).
O kit pode ser comprado por US$ 169,99 na Amazon ou com desconto (US$ 159,00) no site oficial da Odin, empresa fundada pelo americano Josiah Zayner. Zayner tem 37 anos, é doutor em biofísica molecular pela Universidade de Chicago e ex-funcionário da Nasa – onde editou material genético de bactérias para prepará-las para uma hipotética colonização de Marte. É um dos líderes e mentores do movimento “biohacker”, que aplica a filosofia de faça-você-mesmo (DIY) da informática às ciências da vida.
Em uma entrevista dada ao The Guardian em dezembro do ano passado, Zayner afirmou: “Quero ajudar seres humanos a editarem seus próprios genes”. Ele não ficou só na teoria: durante uma palestra, usou uma seringa para injetar CRISPR/Cas9 no próprio braço, mirando no gene que produz a proteína miostatina. A miostatina interrompe o crescimento do tecido muscular – uma alteração no DNA que impedisse sua produção, pelo menos em teoria, funcionaria como um anabolizante genético. Não se sabe se a intervenção deu resultado.
A Scientific American dos EUA teve acesso ao kit e descreveu o que, exatamente, ele permite fazer. A bactéria fornecida é uma linhagem não-patogênica da E. coli, uma das cobaias mais comuns em laboratórios do mundo todo. Em situações normais, essa bactéria morre quando é exposta a um antibiótico chamado estreptomicina. Uma alteração muito simples no DNA, porém, torna o micróbio resistente ao remédio.
Explicar como essa alteração funciona demanda uma revisão rápida das aulas de biologia do ensino médio. Vamos a ela. O DNA é o manual de instruções para construir e operar seu corpo – e o corpo de todos os outros seres vivos. Da mesma maneira que um arquivo salvo no disco rígido de um computador, esse manual é armazenado no núcleo das células na forma de uma longa “fita” de bases nitrogenadas. Essas bases são representadas pelas letras A, T, C e G.
Fazer um ser vivo demanda muita informação. Tanto é que a simplória E. coli, a cobaia microscópica do kit de cientista louco vendido por Zayner, precisa de um manual de instruções com 4,6 milhões dessas letrinhas biológicas. Uma mudança em uma só letrinha é capaz de mudar radicalmente as características da bactéria – neste caso, tornando-a resistente a uma droga que antes seria letal. O que a técnica CRISPR/Cas9 faz é caçar e mudar a letra certa – com uma precisão tão alta e um custo tão baixo que todos os outros métodos ficam no chinelo.
O complicado é determinar se faz sentido encorajar leigos a mexer com DNA. Claro que há riscos, mas enquanto os experimentos caseiros se limitarem a bactérias inócuas, a tendência é que eles tragam mais vantagens que desvantagens. “Na comunidade científica, os profissionais não param de encontrar novos jeitos de usar essa tecnologia. A imaginação é o limite”, afirmou à Scientific American Dana Caroll, professor da Universidade de Utah que não tem a ver com a iniciativa de Zayner. “É possível que pessoas trabalhando em suas garagens ou cozinhas descubram uma aplicação nova e solucionem problemas que até agora estão sem solução.”