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A salvação da lavoura

Pesquisadores brasileiros decifram a bactéria que ameaça os laranjais paulistas e entram para o restrito clube mundial de decodificadores de genes. Entusiasmados, querem fazer da cana e do câncer os próximos alvos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 8 Maio 2012, 22h00

Claudio Angelo

Ela é impertinente até no nome. Possuidora de uma fórmula química poderosa, a bactéria Xylella fastidiosa contamina hoje nada menos do que 74 milhões de pés de laranja do Estado de São Paulo. Ou seja, um terço das 220 milhões de laranjeiras plantadas na maior região produtora de cítricos do mundo estão ameaçadas. A Xylella, que é carregada por algumas cigarras, dentro do intestino, cai nas folhas e ramos e provoca o amarelinho. A doença entope os veios da planta e impede o crescimento da fruta. Imagine o prejuízo. Do interior paulista saem, anualmente, 15 milhões de toneladas de laranja, gerando uma renda para os produtores de 1 bilhão de dólares. A praga acarreta perda suficiente para deixar muita gente com a boca seca.

Daí a festa quando cientistas de institutos de pesquisa e universidades paulistas se reuniram para salvar a lavoura. Trabalhando sem parar desde o final de 1997, eles já decifraram 75% do código genético do bicho. A idéia é descobrir, até abril, a seqüência de substâncias que constituem os cerca de 2 000 genes da cadeia de DNA – ou seja, do genoma – do parasita. É o que se chama seqüenciamento de bases. Quando a missão acabar, a Xylella terá se tornado o primeiro organismo inteiramente seqüenciado no Brasil e um dos vinte primeiros do mundo. Depois, é fazer o mapeamento, ou seja, descobrir, dentre todos os genes do DNA, onde estão os que “escrevem” a receita das proteínas que fazem mal à agricultura. “Poderemos, então, inibi-los”, disse à SUPER o bioquímico Andrew Simpson, do Instituto Ludwig de Pesquisa do Câncer, em São Paulo. Simpson é também coordenador do Instituto Virtual de Análise de Nucleotídeos, que congrega os trinta laboratórios que estão desmontando o agente causador do amarelinho. O instituto é virtual porque os colegas não trabalham juntos, lado a lado. Cada grupo faz a sua parte e manda os resultados via Internet para um único computador, que reúne e analisa tudo.

O Projeto Genoma Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, entidade que o financia) é o maior programa de biologia molecular e o mais caro plano de investigação da história da ciência brasileira. Com a compra de equipamentos de última geração, já consumiu 12 milhões de reais. E colocou o Brasil entre os países que possuem os maiores aparelhos seqüenciadores do mundo. Daqui para a frente, a ambição dos cientistas brasileiros é ainda maior: decifrar a cana-de-açúcar e os tumores malignos que mais atacam os brasileiros.

A vítima

O amarelinho é uma doença que entope os vasos por onde corre a seiva da laranjeira. A planta, desnutrida, fica com esta cara amarela

A solução

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O primeiro passo rumo à cura do amarelinho está em centenas de pequenos frascos como estes ao lado. Eles contêm pedaços de DNA prontos para terem seus genes decodificados

O algoz

A cigarra acrogonia é uma das cinco transmissoras da praga do amarelinho. Ela carrega nos intestinos a bactéria Xylella fastidiosa e a deposita nas folhas do pé de laranja. A fastidiosa tem cerca de 2 000 genes, dispostos em uma fita dupla de DNA

Os mapas do açúcar e do câncer

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O trabalho com a bactéria do amarelinho caminha em ritmo acelerado. “Mas isso não significa que teremos imediatamente um tratamento contra a praga”, alerta a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo. Depois do seqüenciamento, é preciso mapear e descobrir o que cada gene faz. Alguns laboratórios já estão nessa etapa do estudo. “Só depois de tudo, pode-se pensar na criação de uma vacina”, diz Mayana.

Mas, mesmo antes de concluir a fase laranja, o instituto virtual planeja atacar duas novas frentes: a cana-de-açúcar e o câncer. O primeiro projeto visa identificar 50 000 genes ligados ao crescimento e à produtividade da cana, outro grande hit agrícola brasileiro, com uma safra anual de 300 milhões de toneladas.

Desta vez, não se trata de seqüenciar todo o DNA da cana, mas só os genes (identificados por outros métodos) que carregam as mensagens que ordenam a fabricação de proteínas responsáveis pela produtividade da planta. É que a cana tem uma cadeia de DNA enorme, com genes desativados e muitos duplicados. “A gente só olha o que interessa”, diz o biotecnólogo Jesus Ferro, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Jaboticabal, região canavieira do interior de São Paulo. Mesmo parcial, o estudo do genoma da cana deve engolir pelo menos 5 milhões de reais da Fapesp e outros 500 000 reais da Copersucar (Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo).

Com 5 milhões de reais prometidos pelo Instituto Ludwig da Suíça, e outro tanto da Fapesp, eles pretendem seqüenciar, em seguida, genes relacionados aos tumores de maior incidência no país. O câncer de mama, que mata quase 7 000 brasileiras ao ano, é o primeiro da lista.

Todo tumor é formado de células nas quais alguns dos 100 000 genes humanos estão alterados e, por isso, elas se multiplicam desordenamente. A meta é encontrar esses genes defeituosos, o que, mais uma vez, não significa achar a cura imediata da doença, mas dar um passo vital para descobrir o melhor tratamento. Foi decifrado a bactéria causadora da úlcera, a Helicobacter pylori, e cientistas do Instituto de Pesquisa de Genomas, em Maryland, Estados Unidos, verificaram, em 1997, que alguns de seus genes tinham uma seqüência vulnerável. Descobriram, assim, os pontos fracos do inimigo. Agora, ficou mais fácil criar um remédio, e até uma vacina, contra o mal. “O genoma abre novas possibilidades de cura”, garante Simpson, do Instituto Ludwig.

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Para saber mais

Na Internet: https://www.fapesp.br

Quebrar para entender

Decifrar o DNA, a seqüência de moléculas que comanda o funcionamento de um organismo, é uma operação complexa. Veja os passos necessários.
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1. Pares fiéis

Cada gene é formado por moléculas que contêm uma das seguintes substâncias chamadas base: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). Elas se ligam aos pares. Mas a adenina só se junta à timina (A-T) e a citosina à guanina (C-G).

2. Picadinho de amostras

O objetivo é descobrir a ordem em que as bases se enfileiram. Para isso, os cientistas quebram a fita de DNA aleatoriamente em milhares de pedaços, que vão ser analisados um a um. Eles serão, por sua vez, usados como matriz para fazer milhares de outras cópias daquele trecho de DNA. Depois, em cada reprodução, separa-se A de T e C de G por meio de reações químicas, partindo-se a fita ao meio.

3. Banho de imersão

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As metades de cada fita são mergulhadas numa sopa química onde há outras bases A, C, G e T, na qual algumas, só algumas, foram modificadas pelos cientistas. As bases alteradas são fluorescentes, cada uma com uma cor, e, além disso, programadas para, assim que encontrarem a sua correspondente (lembre-se: A com T e C com G), interromper os casamentos e cortar a fita.

4. Casamento

Assim, as bases não-modificadas vão se casando com seus correspondentes da seqüência original. Até que aparece uma fluorescente que, ao topar com sua cara-metade, encerra a brincadeira. No final, resta um monte de casais luminosos arrastando caudas de diferentes tamanhos, formadas pelos pares que conseguiram se casar antes de aparecer o brilhante estraga-prazeres.

5. Gelatina elétrica

O passo seguinte é mergulhar essas minhocas de olhos luminosos numa gelatina eletrificada. A eletricidade as empurra em direção a um sensor de luz. Quando passa pela câmera, o casal brilhante que vai à frente é registrado. Pela cor, sabe-se quem é ele. Imagine que a seqüência. analisada seja formada por dez bases. Como há milhares de cópias, vai acabar havendo, por probabilidade estatística, casais luminosos em todos os seus pontos. E, como os pares que carregam uma cauda menor chegam antes ao sensor, o primeiro a passar será aquele que interrompeu a cadeia no ponto um e não carrega rabo. O segundo será o que interrompeu no ponto dois e assim por diante. Desse modo, a ordem de chegada revela a ordem das bases que existem naquele trecho do DNA.

6. Juntando pedaços

Para remontar a cadeia toda, a operação é repetida em cada pedacinho de DNA quebrado no começo do processo. Um programa especial de computador determina qual vem antes e qual vem depois. Com a cadeia fechada, abrem-se outras duas etapas altamente complexas: identificar quais pedaços constituem um gene e qual a função de cada um.

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