A polêmica do sol
Um dia acordei e não senti o lado direito do rosto. Tinha desenvolvido uma doença incurável, que poderia me levar para a cadeira de rodas. Tudo indica que eu era vítima de uma epidemia global: falta de vitamina D, causada pela falta de sol.
VITAMINA D
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Um dia acordei e não senti o lado direito do rosto. Achei esquisito, mas não dei muita importância. Nos dias seguintes, outras coisas foram acontecendo. Primeiro, perdi toda a sensibilidade no lado direito do corpo. Fiquei com falta de equilíbrio, visão turva, confusão mental. Não conseguia levantar da cama. Depois de dois meses de internações e exames, veio o diagnóstico: eu tinha esclerose múltipla, ou seja, meu sistema imunológico estava atacando meu próprio cérebro e a medula espinhal. Desenvolvi uma doença degenerativa, sem cura, que poderia me jogar em uma cadeira de rodas em menos de uma década. Um cenário desolador. Uma vez por semana eu tomava injeções de interferons (proteínas de defesa produzidas pelo próprio corpo), que acabavam por suprimir meu sistema imunológico.
A cada aplicação eu tinha uma febre forte e ficava prostrado pelos dois dias seguintes. Todas as semanas, eram dois dias perdidos. Parei de trabalhar e caí em uma amarga depressão. Eu tinha 24 anos. Meses depois, minha mãe viu a entrevista de um médico na internet. Ele se chama Cícero Coimbra, é neurologista da Unifesp, e tinha uma teoria diferente sobre a minha doença – para ele, um simples tratamento com vitamina D poderia ser a solução.
Comecei o tratamento com uma megadose dessa vitamina: 50 mil UI (unidades internacionais) por dia, cerca de oitenta vezes mais do que a dose diária recomendada. Segundo Coimbra, pacientes com doenças autoimunes, como a esclerose múltipla, têm características genéticas que dificultam a absorção de vitamina D, daí a necessidade de doses tão grandes.
“Nossa expectativa é que em seis meses, quando você tiver atingido o efeito completo do tratamento, a doença entre em remissão permanente, sem novas crises”, afirmou Coimbra. Era quase um milagre diante das outras perspectivas para essa “doença sem cura”. Optei por abandonar as injeções e, com elas, meu sofrimento semanal. Mas havia um risco. Com uma dose tão alta, o corpo passa a absorver mais cálcio dos alimentos e os rins podem ficar comprometidos. Para lidar com isso, tenho que beber pelo menos 3 litros de água ou suco e abandonar o leite e seus derivados ricos em cálcio. Sacrifício bem pequeno para o benefício que colhi. O tratamento está dando muito certo. A doença estacionou e, há cinco anos só com a vitamina D, nunca mais tive sintoma algum. Meus resultados já impressionam os neurologistas que não acreditavam que isso seria possível. Imagine então o que pensam ao se depararem com casos de pacientes que tinham ficado cegos e recuperaram a visão, ou que tinham deixado de andar e levantaram da cadeira de rodas, só seguindo o tratamento da vitamina D. Perto disso, ter a “minha doença controlada” é muito pouco.
Essa é a minha história. E você talvez tenha algo em comum com ela. Um estudo feito em 2010 pela USP constatou que nada menos do que 77,4% dos paulistanos apresentam deficiência de vitamina D durante o inverno (no verão o número cai, mas continua altíssimo: 37,3%). Ou seja: é bem possível que você tenha falta de vitamina D – e nem saiba disso. “Provavelmente, esse é o problema médico mais comum no mundo hoje”, diz o endocrinologista Michael Holick, da Universidade de Boston. Em Pequim, o problema afeta 89% das adolescentes – e 48% dos idosos. Na Índia, 84% das grávidas – e assustadores 96% dos bebês. Nos Estados Unidos, 29% dos adultos. Em Recife e Salvador, metade das mulheres.
Os dados, que vêm de diversos estudos locais, já que não há uma pesquisa global que envolva grandes populações, variam bastante, mas todos apontam na mesma direção. O mundo está vivendo uma ‘epidemia’ de baixa vitamina D. E isso parece estar ligado a uma quantidade impressionante de doenças: de depressão a diabetes, de esclerose múltipla (como a minha) a câncer, da dor crônica a Alzheimer. Já vamos falar sobre isso. Mas antes: por que está faltando vitamina D?
A vitamina da discórdia
Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia “o único benefício reconhecidamente ligado à vitamina D é sua relação com a saúde óssea”. Assim como a maioria dos dermatologistas do mundo, ela não recomenda a exposição aos raios solares. “Caso a pessoa tenha carência de vitamina D, sugerimos que tome isso de forma exógena, por meio de suplementos, em função dos riscos envolvidos”, diz a dermatologista Flávia Ravelli, da SBD.
Alguns estudos parecem dar razão aos céticos. Uma revisão de mais de 400 estudos realizada na França concluiu que a suplementação da vitamina não trouxe benefícios significativos na diminuição do risco de doença cardiovascular, câncer nem fraturas. Segundo os autores, a deficiência de vitamina D é consequência de doenças, não sua causa. Quem defende a vitamina diz que a maioria dos estudos usou doses muito baixas, de 2 mil UI por dia, e que seria preciso tomar pelo menos 4.500 UI para ter algum efeito na prevenção de doenças.
Como afirma Michael Holick em um de seus livros sobre a vitamina D, “se o corpo pudesse declarar o método preferido para a obtenção da sua dose diária de vitamina D, ele com certeza aplaudiria de pé a opção do sol em vez de um frasco de pílulas”. Afinal, esse inteligente processo de autorregulação não deve ter sido aperfeiçoado pelo nosso organismo à toa. Outro ponto importante é que o corpo não se intoxica com a vitamina D gerada pela luz do Sol, mas pode se intoxicar com a vitamina D proveniente da suplementação (é o risco do excesso de cálcio que eu preciso controlar no meu tratamento).
A maioria dos oncologistas, neurologistas, psiquiatras e outros médicos que poderiam se beneficiar da vitamina D nem sabe de seu potencial. Por ser uma substância encontrada na natureza, ela não pode ser patenteada, e, portanto, pode-se imaginar que não atraia a atenção dos grandes laboratórios farmacêuticos, maiores patrocinadores das pesquisas e dos congressos médicos.
Mesmo não sendo aceito pela Academia Brasileira de Neurologia, que pede por mais estudos, o protocolo da vitamina D para doenças autoimunes desenvolvido por Cícero Coimbra se mantém principalmente pela popularidade entre os pacientes. Ele já tratou mais de 2,5 mil pessoas com esclerose múltipla desde 2002, bem como pacientes com lúpus, artrite reumatoide, psoríase, vitiligo e várias outras doenças.
O sucesso fez com que outros médicos o procurassem para aprender o protocolo, e hoje mais de 20 profissionais espalhados pelo Brasil e outros no exterior (Argentina, Peru, Itália, Portugal) já aplicam o tratamento. Há relatos de outras experiências usando doses altas de vitamina D pelo mundo, geralmente para pesquisas pontuais. Mas nada se compara à consistência do que vem sendo feito por aqui.
Vários pacientes vem tendo bons resultados. Como Wagner, que foi diagnosticado com esclerose múltipla em 2007. Começou a fazer o tratamento convencional, teve muitos efeitos colaterais e nenhuma evolução, e em 2013 foi parar numa cadeira de rodas. Começou um tratamento com vitamina D e voltou a andar. Rafhael estava havia sete anos sem fazer caminhadas. Com quatro meses de tratamento, já conseguia jogar bola com os filhos. Juliana, que tinha dores terríveis por causa da artrite reumatoide e mal conseguia cuidar do filho, hoje coloca diariamente no Instagram fotos em posturas de ioga
quase impossíveis. Fernanda, que sofre de dor crônica, começou a tomar a vitamina há sete meses, e melhorou. Átila, que tinha pneumonia e bronquite asmática desde a infância, também. Mesmo caso de Damaris e Maria Cecília – que tinham casos graves de lúpus (uma doença autoimune que afeta pele, articulações e rins) e melhoraram depois de começar tratamento com a vitamina. Há dezenas de relatos como esses.
De minha parte não há nenhuma dúvida. Tive alta e nunca mais apresentei qualquer sintoma da doença. E raramente tenho gripes ou resfriados, antes tão comuns. Não sei quando (ou se) deixarei de tomar as altas doses de vitamina D. Mas elas certamente são melhores que as injeções. Hoje até existem tratamentos à base de remédios orais, com chances de melhores resultados. Mas ainda possuem muitos efeitos colaterais, além de custarem muito caro.
No fim da história, se eu pudesse dar uma só dica sobre o futuro seria esta: tome um pouco de sol. Não muito: 15 minutos, sem protetor solar, bastam para a maioria das pessoas (sempre tendo o cuidado de não passar do ponto e ficar vermelho, o que é perigoso). Quanto maior a região do corpo exposta, maior será a produção. Não precisa expor o rosto – que é muito sensível e tem uma área relativamente pequena, portanto produz pouca vitamina D. Tomar sol nos braços e nas pernas já está bom. “Esperar o ônibus no ponto sem protetor já é capaz de elevar significativamente as taxas”, explica a médica Lilian Cuppari.
Cada vez mais gente concorda com isso. O médico Walter Feldman, por exemplo. Ex-deputado federal, ele apresentou um projeto de lei para garantir aos trabalhadores, presos, estudantes e pacientes de hospitais, que passam mais de seis horas ininterruptas em ambientes fechados, o direito de tirar 15 minutos de descanso, antes das 16h, para tomar sol. Em 2010, o Ministério da Saúde americano aumentou a dose diária recomendada para pessoas saudáveis, que passou de 400 para 600 UI (no caso de idosos, 800 UI). Em 2013, a Europa fez uma mudança similar. Ainda é muito pouco – basta lembrar que, em apenas 15 minutos de exposição ao sol, podemos produzir mais de 10 mil UI.
Diferenças à parte, o importante mesmo é pegar o caminho de volta. Por mais que tenhamos nos esquecido disso nas últimas décadas, entocados em prédios, lambuzados de protetor solar, o Sol é o guia da nossa vida. Talvez seja hora de retomar essa antiga amizade.
Quanto sol tomar?
Não é preciso, nem aconselhável, ficar torrando. Alguns minutos bastam:
Como o sol vira vitamina
Nosso corpo faz algo que parece mágica: sintetiza um elemento químico usando apenas luz.
1- O sol: os raios ultravioleta B penetram na pele, e reagem com uma substância presente nela: o 7-Dehidrocolesterol, que se transforma em vitamina D3.
2 – O fígado: a vitamina cai na corrente sanguínea e vai até o fígado, onde é transformada em outra coisa: calcifediol.
3- Os rins: o calcifediol vai para os rins, onde é convertido em calcitriol, a forma ativa da vitamina D. Ela está pronta — e é distribuída pelo corpo por meio do sangue.