A pedra de R$ 5 trilhões
Alguns asteroides estão cheios de metais raros, que valem um dinheiro absurdo. Há quem diga que é possível ir buscá-los. Conheça os bastidores.
Reportagem originalmente publicada pela SUPER em 2013
O mundo vive sua pior crise econômica desde a década de 1930. Mas um pequeno grupo de empresários diz que tem a resposta para acabar com ela e inaugurar a fase mais próspera da história da humanidade. Como? Fazendo uma nova corrida do ouro, como as que aconteceram no Velho Oeste americano e no garimpo brasileiro de Serra Pelada – só que, desta vez, no espaço. Isso porque os asteroides, que só costumam ser assunto quando passam perto da Terra (ou quando fragmentos deles caem aqui, como aconteceu na Rússia em fevereiro, deixando centenas de feridos), são uma enorme fonte de riquezas. Contêm quantidades enormes de ouro, platina e outros metais preciosos. “Todos os recursos naturais que você puder imaginar, energia, metais, minerais e água, existem em quantidades praticamente infinitas no espaço”, diz Peter Diamandis, fundador da empresa Planetary Resources, a primeira a entrar na nova corrida do ouro.
Diamandis não é um sujeito qualquer. Ele é o criador do X Prize, competição que dá US$ 10 milhões de prêmio a quem conseguir realizar determinado feito tecnológico (como mandar um robô até à Lua ou criar uma máquina capaz de ler DNA em alta velocidade, por exemplo). A maior proeza do X Prize até agora foi o desenvolvimento da primeira nave espacial privada, que está sendo preparada para viagens turísticas. Mas, se o conceito de turismo espacial é fácil de entender, a mineração espacial já parece ser ficção científica demais para ser levada a sério. Não é à toa que o principal foco da Planetary Resources e sua recém-apresentada competidora, a Deep Space Industries, agora é buscar financiadores.
A Planetary Resources parece estar mais adiante nesse quesito. Entre seus investidores estão Eric Schmidt e Larry Page, respectivamente presidente e CEO do Google, e Charles Simonyi, programador húngaro-americano que fez fortuna na Microsoft. De quebra, ela tem o cineasta James Cameron na função de consultor. No que diz respeito à qualidade técnica das equipes, ambas as empresas estão muito bem servidas. Reúnem ex-funcionários do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa, engenheiros que ajudaram a colocar os jipes robóticos Spirit e Opportunity em Marte, e por aí vai. Pessoas que sabem o que estão fazendo. Mas será que estão à altura do desafio, e têm como pagar a conta?
Os 4 asteroides mais desejáveis
162385
Diâmetro – 600 metros
Distância da Terra – 12 milhões de km
Valor estimado já descontando os custos da missão – US$ 6,9 trilhões
4034 Vishnu
Diâmetro – 420 metros
Distância da Terra – 1,5 milhão de km
Valor estimado já descontando os custos da missão – US$ 5,28 trilhões
65679
Diâmetro – 730 metros
Distância da Terra – 1,9 milhão de km
Valor estimado já descontando os custos da missão – US$ 1,74 trilhões
7753
Diâmetro – 1000 metros
Distância da Terra – 1 milhão de km
Valor estimado já descontando os custos da missão – US$ 1,31 trilhão
Terra – Lua: 384 mil km
Terra – Marte: 54 a 401 milhões de km (dependendo da órbita)
Asteroides e asteroides
Nem todos os pedregulhos espaciais são iguais. E nem todos estão no mesmo lugar. O maior repositório de asteroides é o cinturão que existe entre as órbitas de Marte e de Júpiter – a uma distância bem grande da Terra. É lá que reside, por exemplo, um asteroide chamado Germania. Estudos telescópicos sugerem que essa pedrona de 169 km de diâmetro é riquíssima em metais preciosos. Pense alto. Mais alto. Mais. Estima-se que o valor dela seja superior a US$ 100 trilhões. É mais do que toda a riqueza produzida no mundo inteiro ao longo de um ano. Mas estima-se que, para explorar todo esse potencial, seria preciso investir US$ 5 trilhões – quase 300 vezes o orçamento anual da Nasa.
Por isso, os primeiros mineradores espaciais estão pensando mais modestamente. A ideia é começar mais perto de casa. O asteroide 2012 DA14, por exemplo, que em fevereiro de 2013 passou “perto” (a 27 mil km) da Terra, tem valor estimado em US$ 195 bilhões. Mas as naves e os equipamentos necessários para explorá-lo ainda não existem. Antes de começar a construir tudo isso, as empresas de mineração espacial vão fazer um mapeamento detalhado de seus possíveis alvos. Como o asteroide 5143 Heracles, que mencionamos no começo deste texto. Ele fica a 8,6 milhões de quilômetros da Terra – é seis vezes mais perto do que Marte. E há asteroides mais próximos daqui do que a Lua, ou seja, praticamente vizinhos nossos. “Cerca de 900 asteroides que passam perto da Terra são descobertos a cada ano”, afirma David Gump, presidente da Deep Space Industries.
A empresa pretende construir sondas de baixo custo, que farão um reconhecimento dos asteroides. Batizadas de Firefly, são pequenas naves de 25 kg que podem pegar carona em lançamentos comerciais de satélites. Já para a Planetary Resources, o ponto de partida é lançar uma rede de telescópios espaciais, batizados de Arkid-100, que irão tentar descobrir asteroides que posssam ter passado despercebidos. Em seguida, analisando o albedo (termo técnico para o brilho) dos objetos, os cientistas da empresa tentarão identificar quais são os mais valiosos.
Depois de encontrar e selecionar um alvo, aí sim a Planetary Resources enviaria uma espaçonave, batizada de Arkid-200, para analisar de perto cada metro quadrado do asteroide. “Nós vamos conhecê-lo nos mínimos detalhes antes que cheguemos lá para minerá-lo”, diz Eric Anderson, que comanda a empresa ao lado de Diamandis e é fundador da companhia Space Adventures, que envia turistas à Estação Espacial Internacional (por US$ 20 milhões).
Até aí, tudo bem. Mas quando chega a hora de explorar, as coisas se complicam. Tirar pedaços de um asteroide e trazê-los de volta à Terra pode ser muito mais difícil do que se imagina. O melhor exemplo disso é a sonda japonesa Hayabusa, que em 2010 fez uma missão cheia de complicações (sofreu danos por uma tempestade solar, seus equipamentos começaram a pifar) para trazer uns míseros grãozinhos de pó do asteroide Itokawa. E a missão Osiris-Rex, que a Nasa pretende lançar em 2016 para trazer uma amostra de 60 gramas de um asteroide, irá custar US$ 800 milhões – isso dá US$ 13 milhões por grama.
A Planetary Resources aposta numa estratégia sob medida para reduzir esse custo. Em vez de apresentar agora sua superespaçonave de mineração, com todos os acessórios e equipamentos, só irá projetá-la depois de escolher o alvo. A Deep Space Industries é mais arrojada nesse sentido. Sua segunda geração de espaçonaves, a Dragonfly, tem por objetivo colher amostras de potenciais alvos e trazê-las de volta à Terra até o final desta década. Dentro de dez anos, a empresa espera estar fazendo as primeiras minerações.
Pode parecer um delírio, mas não é. Estudos da Nasa já discutem a possibilidade de rebocar um pequeno asteroide até a órbita da Lua para estudá-lo melhor, e técnicas similares poderiam ser usadas para a exploração de recursos minerais. “Os planos até são viáveis”, afirma Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em São José dos Campos. “O que não dá para acreditar é na escala de tempo apresentada. Não creio que em menos de 20 anos alguém consiga trazer uma pequena amostra de um desses asteroides.”
Também há um problema de ordem econômica. É possível imaginar o que fazer com platina e ouro obtidos de asteroides. Mas eles teriam de ser revendidos bem lentamente, ou seu preço na Terra simplesmente despencaria (pois é justamente a escassez desses metais que os torna valiosos). Por isso, a Planetary Resources e a DSI poderiam levar décadas até recuperar seu investimento. Para antecipar o lucro, alguns subprodutos poderiam ser vendidos no próprio espaço. Certos asteroides são uma fonte riquíssima de água, que pode ser usada para alimentar estações espaciais ou transformada em hidrogênio para abastecer naves. Mas isso só tem valor se tiver gente querendo comprar. “Transformar uma atividade dessas em sucesso comercial depende da demanda pelo material a ser minerado, e ela ainda não existe”, diz Barbosa.
Mas os pioneiros não dão bola para o ceticismo. Peter Diamandis lembra de uma história que o escritor Arthur Clarke, idealizador dos satélites geoestacionários (usados em telecomunicações), costumava contar: “Ideias realmente revolucionárias passam por três fases. Na primeira, as pessoas vão dizer que a sua ideia é maluca, que nunca vai funcionar. Na segunda fase, os críticos dizem que até poderia funcionar. Na terceira, eles vão dizer que sempre acreditaram no sucesso.” O tempo dirá.
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A corrida do ouro espacial
Como a mineração espacial poderá funcionar
1. A pesquisa
Uma rede de 15 minissatélites (1 metro de comprimento cada) é lançada e começa a capturar imagens de asteroides, usando câmeras comuns e especiais.
2. A análise
Essas imagens são analisadas e, a partir delas, identificam-se os asteroides que podem conter minérios de valor.
– 8 800 Asteroides descobertos até o momento
– 900 Asteroides descobertos por ano
– 1 500 Asteroides relativamente próximos da Terra (mais fáceis de alcançar do que a Lua)
3. A viagem
Uma ou mais espaçonaves não-tripuladas são enviadas até o asteroide e pousam nele. Essa tecnologia já existe: em 2001, a Nasa conseguiu pousar uma sonda no asteroide Eros, a 313 mil quilômetros da Terra.
4. A extração
Os braços robóticos da nave perfuram o asteroide e sugam os minérios, que são separados, processados e colocados em cápsulas, que são lançadas de volta.
5. O resultado
Os minérios podem ser comercializados na Terra ou usados como matéria-prima para a construção de bases espaciais. Além de metais pouco valiosos, como ferro, níquel e cobalto, alguns asteroides contêm ouro, platina e paládio. Além disso, eles podem ter até 20% de gelo, que pode ser transformado em:
Água potável – Para alimentar colônias espaciais
Oxigênio – Para respirar
Hidrogênio – Combustível
Um asteroide pode conter até 250 milhões de litros de água.
Para saber mais
Mining The Sky: Untold Riches From The Asteroids
John S. Lewis, Basic Books, 1997.