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A maior revolução na astronomia em 400 anos

A capacidade de detectar ondas gravitacionais é um novo marco para a ciência – tão revolucionário quanto a invenção do telescópio

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 24 nov 2017, 18h49 - Publicado em 24 nov 2017, 11h37

EM 14 de setembro de 2015, a humanidade senTIu pela primeira vez as vibrações do tecido do espaço. A façanha virou realidade após duas décadas de esforço. Mais de mil cientistas de 18 países, Brasil incluído, fazem parte da colaboração Ligo, sigla para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser. São dois observatórios, na verdade, instalados a 3 mil km de distância um do outro, nos Estados de Washington e Louisiana. A dupla foi cuidadosamente projetada para detectar pequenas marolas no próprio tecido do espaço-tempo geradas pelo movimento de corpos celestes.

Todo corpo que se move com variação de velocidade produz as chamadas ondas gravitacionais, como Einstein tinha previsto em 1915. A intensidade dessas ondas é proporcional à massa e à velocidade dos corpos, de forma que as marolinhas gravitacionais produzidas pela sua bicicleta, por exemplo, são imperceptíveis a qualquer detector imaginável. Só existe expectativa de observá-las no caso de objetos com muita massa fazendo translações a altíssimas velocidades. Felizmente, existem astros assim.

Descobrimos que estrelas de alta massa, bem maiores que o Sol, podem explodir ao final de suas vidas e deixar para trás um caroço tão denso e compacto, esmagado por sua própria gravidade, que faz com que os elétrons dos átomos caiam dentro dos prótons, convertendo-os em nêutrons – é mais ou menos como se a estrela se convertesse numa partícula com 10 km de diâmetro e o dobro da massa do Sol. A esses densos cadáveres, damos o nome de estrelas de nêutrons. Já quando nada consegue sequer impedir que as partículas mais elementares se esmaguem umas por cima das outras, o colapso leva à produção de um buraco negro – a coisa mais densa que as leis da física permitem.

 

Esses astros reúnem muita massa em pouquíssimo espaço, o que quer dizer que, se você tiver um par deles, orbitando ao redor um do outro, eles podem se aproximar bastante antes de colidir. Conforme se aproximam mais, transladam cada vez mais depressa, num espiralar cada vez mais furioso. Nisso, você tem a massa e a velocidade necessárias para produzir ondas gravitacionais detectáveis. E o Ligo as detectou.

O feito rendeu aos principais cientistas envolvidos o Nobel em Física de 2017. E mais importante: deu início a uma nova era na astronomia. A maior desde a invenção do telescópio, no século 17, pois já dá frutos incríveis.

Das cinco detecções feitas, quatro foram de colisões de buracos negros – fenômenos que só podemos “ouvir” pelas ondas gravitacionais, mas não podemos “ver”, pois a luz não escapa desses objetos para chegar até nossos telescópios. De cara, descobrimos que buracos negros com mais de 30 vezes a massa do Sol não são tão incomuns quanto imaginávamos.

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Mais interessante ainda foi outra detecção, anunciada em 16 de outubro, e que envolveu a colisão de duas estrelas de nêutrons. A colisão foi ouvida primeiro pelas ondas gravitacionais. Elas serviram como GPS para que os astrônomos do mundo todo apontassem seus telescópios para o lugar certo no céu, uma vez que esses astros, ao se fundir, produzem luz, e raios gama, x, infravermelhos. Um carnaval de radiação.

O resultado dessa observação em massa, guiada pelas ondas gravitacionais, confirmou nossas teorias sobre como o Universo fabricou muitos dos metais existentes na Terra, dentre eles o ouro, e ofereceu uma maneira inteiramente nova de medir a expansão do cosmos iniciada no Big Bang.

Champagne supernova

Como fizeram isso? Bom, há tempos os cientistas trabalham para descobrir como nasceram os elementos que preenchem a tabela periódica. Sabemos que, no Big Bang, formaram-se hidrogênio, hélio e uma pitadinha de lítio. Resolvemos aí os três mais simples. O resto é poeira de estrela, como dizem. Ao descobrir como as estrelas brilham, os astrônomos notaram que elas pegam justamente os elementos mais simples, como hidrogênio e hélio, e os fundem para formar núcleos atômicos mais pesados, feitos de cada vez mais prótons e nêutrons. Contudo, essas reações só funcionam até chegar ao ferro. Tudo mais pesado que ele precisa ser feito de outra maneira.

As supernovas – explosões resultantes do colapso de estrelas de alta massa – podiam responder por alguns desses elementos pesados, mas não todos. Os cientistas desconfiavam que a resposta estava nas estrelas de nêutrons. Como elas têm nêutrons de sobra em sua composição, um impacto entre duas delas talvez produzisse elementos pesados, como o ouro e a platina.

E isso acabou confirmado neste ano. Foi a primeira detecção de uma batida entre estrelas de nêutrons, graças às ondas gravitacionais. Nisso, os astrônomos puderam observar o que restou do choque e confirmar que as “assinaturas” de elementos como ouro e platina estavam ali – mais precisamente, 200 vezes a massa da Terra em ouro e 500 vezes em platina.

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As ondas gravitacionais já ajudaram a revelar que a colisão de estrelas de nêutrons produz zilhões de toneladas de ouro.

Certo, e quanto à coisa de medir a expansão do cosmos? Para fazer isso, você precisa de duas informações: a velocidade de afastamento de uma galáxia e a distância que nos separa dela. Relacionando uma com a outra, você obtém a taxa de expansão cósmica.

A velocidade de afastamento é fácil saber – quanto mais avermelhada a luz da galáxia, mais rápido ela está fugindo. Mas a distância é difícil de estimar. Como saber se a galáxia que estamos vendo é pequena e próxima, e não grande e distante? Os métodos de hoje são bons, só que não chegam a ser 100% confiáveis. É aí que as ondas gravitacionais podem ajudar: a amplitude das próprias ondas entrega a distância que elas tiveram de percorrer para chegar até nós. Daqui em diante, então, teremos dados cada vez mais precisos sobre a taxa de expansão do Universo.

E esse é só o começo da astronomia das ondas gravitacionais. Já há planos, inclusive, para a construção de um futuro observatório espacial, chamado Lisa, que poderia detectar as ondas gravitacionais do próprio Big Bang. Isso sem falar no melhor de tudo – o inesperado. Quando Galileu apontou seu telescópio pela primeira vez para o céu, não fazia ideia de que o cosmos era feito de galáxias que se afastavam umas das outras há 13 bilhões de anos. Os próximos séculos revelarão qual é a amplitude da nossa ignorância hoje, e a detecção de ondas gravitacionais é um passo fundamental em direção a esse futuro.

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