A inteligência secreta das plantas
Elas fazem fofoca, planejam vingança, querem muito sexo – e podem se tornar guardiãs da sua casa no futuro.
Elas não têm um mísero neurônio. Jamais completarão um teste de QI. Mas não há dúvidas: evolutivamente falando, as plantas estão entre os seres vivos mais inteligentes da Terra. Por trás da aparência imóvel, imperturbável – quase blasé perante a intensidade do mundo animal –, está uma vida secreta e extremamente complexa que o reino vegetal foi capaz de desenvolver sem tirar os pés do chão.
Plantas não assinam contratos nem tecem acordos, mas aprendem a dividir recursos e mediar os conflitos que surgem com a vida em sociedade.
Elas nunca aprenderam matemática, mas são experts em resolver problemas. Jamais apanharam no recreio, mas sabem como ninguém planejar uma vingança – e até como desequilibrar uma briga com a ajuda de amiguinhos mais fortes.
Das mais altas figueiras às pequenas suculentas que você cultiva no vaso, todas as plantas são máquinas de vigilância constante. Cada folha e raiz colabora para uma análise detalhada do ambiente, capaz de captar sinais que os nossos sentidos jamais teriam condição de perceber.
Aqui você vai conhecer as criações mais sublimes da inteligência vegetal: de idiomas próprios até mecanismos ocultos que permitem guardar lembranças do passado. Então não fique aí plantado: leia até o fim.
Elas conversam (e brigam) por baixo da terra
Plantas lutam pela casa própria. Um pedaço de chão para chamar de seu é essencial: folhas precisam garantir seu lugar ao sol, raízes exigem sombra e água fresca. Quando o espaço é tão importante, é preciso organizar a convivência. Para isso, pés de milho desenvolveram uma linguagem própria, transmitida por meio de substâncias químicas nas raízes. Elas servem para avisar a plantação inteira de perigos – e também como documento de identidade.
Se a “assinatura química” de uma planta é diferente da secretada nas raízes da maioria, o forasteiro vira alvo de fofoca. Sua presença é denunciada a toda a plantação – e o povo local não é nada hospitaleiro: na hora de crescer, se recusa a ceder espaço à planta de fora.
O idioma também serve para comprar briga e exigir que um desafeto cresça mais para longe. Um pé de milho enfezado com a comunidade é capaz de crescer mais rápido só para conquistar um pedaço de solo mais espaçoso sozinho.
Elas são melhores que um cão de guarda
Plantas são verdadeiros sensores multimídia. Estão o tempo todo monitorando a fonte de água mais próxima, a duração dos dias, a qualidade da luz e que tipo de microrganismo vive nas proximidades. Por isso mesmo, elas podem se tornar o verdadeiro melhor amigo do homem – pelo menos em termos de saúde e prevenção de doenças.
Plantinhas de vaso, como as que você tem em casa, têm uma espécie de superolfato. Elas conseguem identificar compostos voláteis, produzidos pelo metabolismo de microrganismos, como se fossem perfumes. Graças a esse “cheiro” imperceptível para nós, elas sabem quando fungos e bactérias estão próximos.
Pensando nisso, pesquisadores da Universidade do Tennessee, nos EUA, querem criar smartplants: plantas capazes de avisar quando há mofo ou um excesso de E. coli se desenvolvendo na sua residência.
A princípio, qualquer planta branca pode fazer o serviço. De acordo com os testes feitos pelos pesquisadores, bastam duas microedições genéticas básicas para criar uma parede viva detectora de micróbios. A primeira alteração necessária foi feita para turbinar o “olfato” natural das plantinhas. Num estudo, os pesquisadores tornaram a Nicotiana tabacum, planta do tabaco, dez vezes mais reativa aos microrganismos. Assim, a capacidade dela de reagir à presença deles ficava bem maior. Mas isso de nada adianta se o dono da planta não conseguir falar a língua dela.
E é aqui que entra a segunda modificação, feita para tornar a detecção visível. Alterando um trechinho de DNA, os cientistas fizeram com que o vegetal produzisse proteínas laranja fluorescente toda vez que vislumbrasse organismos problemáticos por perto.
O próximo passo é baratear e padronizar essas modificações – talvez em alguns anos você se lembre desta reportagem ao adquirir o seu primeiro smartlírio.
Plantas têm boa memória
Quem descobriu um dos misteriosos mecanismo de memória das plantas foi a geneticista Caroline Dean – tudo graças a uma muda de tulipas. “Fui a uma floricultura e o vendedor me disse: ‘Não se esqueça de colocá-las na geladeira por seis semanas antes de plantar!’”.
Tulipas exigem um processo conhecido como vernalização – ou exposição prolongada ao frio. Quando o calor retorna, a planta floresce – mas só se ela tiver lembrança de ter passado por um inverno. Dean achou a história curiosa – afinal, memória é um mecanismo sofisticado. Plantas não têm sistema nervoso para processar a sensação de temperatura, nem cérebro para armazenar lembranças.
Mesmo assim, era inquestionável: as plantas claramente sabiam que tinham passado por semanas de frio. “A memória das plantas é muito estável”, conta Caroline. “Se você corta um pedacinho, e deixa que ele se desenvolva em uma nova planta inteira, a memória é transmitida – e a nova mudinha vai florescer ao mesmo tempo que a anterior, lembrando-se do mesmo frio”.
A menos que a memória da planta registre as estações e suas mudanças, ela não floresce – por uma questão de cautela. O florescimento é a puberdade vegetal – e não tem mais volta. Depois que ela começa, as plantas gastam a maior parte da sua energia como os adolescentes: pensando naquilo.
Elas querem mesmo é transar
Plantas esperam ansiosamente pelo momento de florir. Flores, afinal, são seus órgãos sexuais. Ao primeiro sinal de primavera, surge uma explosão cheia de cores – e, bem, de tesão.
O sexo ideal para boa parte das plantas é a três: a muda que produz o pólen depende de um intermediário, um inseto ou pássaro, para alcançar a desejada flor em outra planta. E é aí que a competição fica acirrada. As flores tentam eclipsar uma à outra e se tornar irresistíveis ao polinizador.
Em poucos casos essa avidez fica tão clara quanto no da cannabis. Ansiosa por atrair pólen para si, a planta da maconha desenvolve flores grandes na expectativa de ser fecundada. Se dá certo, o foco passa a ser na produção de descendentes, as sementes. Se a paquera falhar, porém, a cannabis segue a pavonear-se com suas flores.
É precisamente nelas que está a maior concentração de psicoativos, as substâncias que tornam a maconha uma droga recreativa. Como você pode imaginar, portanto, alguém que cria maconha tende a selecionar fêmeas com mais e mais flores – evitando a polinização.
Como resultado, a cannabis moderna se tornou um planta de flores gigantes, num esforço hercúleo para se reproduzir – mas sempre sexualmente frustrada.
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Plantas são vingativas (e dedo-duro)
Vegetais maltratados não esquecem nem perdoam. Árvores grandes como as macieiras dão o troco quando são atacadas por insetos. Elas lançam aos céus um pedido de ajuda olfativo: produzem moléculas aromáticas, perfumes que anunciam às aves da região que o almoço está servido. Os pássaros se esbaldam nos ingênuos insetos, que não se dão conta da armadilha desse X9 vegetal.
Outras árvores não dependem de delação premiada – não deduram para se salvar, vingam-se com as próprias armas. Cerca de 10% das plantas com flores produz látex. Na figueira e na seringueira, essa substância leitosa é pacífica: serve para emendar as feridas no caule, como uma cola cirúrgica. Mas o látex pode ser usado como uma ferramenta muito mais brutal. Arbustos e suculentas do gênero Euphoria são um exemplo especialmente bárbaro. Eles produzem um látex com pouca vocação para primeiros socorros – ele demora muito para secar e endurecer.
Exatamente por ser gosmento é que ele se torna útil. Quando as suculentas detectam um ataque de insetos, começam a produção de meleca. Quando dão por si, os bichinhos já estão envoltos em líquido viscoso, e não conseguem se mexer.
Só então a planta dá seu golpe final e acrescenta um último ingrediente à poção grudenta: veneno. Ele se espalha pelo látex como uma gota de corante na água… E está completo o extermínio coletivo digno de Game of Thrones.
Apocalipse zumbi: elas ressuscitam
Trigo, arroz, milho: toda a família dos cereais tem sementes muito resistentes. Podem perder 95% da água em suas células e sobreviver. Cereais adultos, infelizmente, são bem menos durões. Não precisava ser assim: o DNA de qualquer planta ainda guarda as propriedades que ela possuía como “recém-nascida”, só que dormentes. Há exceções (precisamente 135 plantas) que nunca abandonam sua criança interior. Elas resistem à desidratação intensa por meses – até anos. Ao menor sinal de água, revivem em questão de horas. Por esse feito, recebem o nome de Ressuscitadoras. ”Elas usam exatamente os mesmos genes que uma semente, só que nas folhas, no caule, em tudo”, diz Jill Farrant, da Universidade da Cidade do Cabo. Ela acredita que essas plantas guardam a chave para religar os mesmos genes em outras espécies e torná-las mais duronas. Mais dia, menos dia, pode ser que a inteligência das plantas esteja salvando economias mundo afora. Afinal, 9 em cada 10 calorias que você come vêm do trigo, do arroz e do milho.