A geometria instintiva das abelhas
Artigo de Luiz Barco, comentando sobre a geometria que as abelhas praticam em sua vida diária para construir os alvéolos das colméias.
Luiz Barco
No livro As maravilhas da Matemática, o genial Malba Tahan, cujo verdadeiro nome era Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), comentou o trabalho do matemático belga Maurice Maeterlinek (1862-1949) sobre a Geometria que as abelhas praticam em sua vida diária. Como se sabe, esses insetos usam cera para construir os alvéolos das colméias, que servem depois de depósito para o mel que fabricam. Maetrlinek observou que, ao contrário de muitos planejadores humanos, as abelhas constroem os alvéolos procurando uma forma que otimize a economia, isto é, que apresente o maior volume para a menos porção de material gasto. Para isso, os alvéolos não poderiam ser cilíndricos, pois a falta de Paredes comuns entre eles deixaria uma grande quantidade de espaços inaproveitados.
Assim, para que a parede de um alvéolo servisse também ao alvéolo vizinho, eles deveriam, obviamente, ter a forma de um prisma, E os únicos prismas regulares que se justapõem sem deixar buracos são os prismas triangulares os quadrangulares e os hexagonais.
Tente fazer a experiência usando uma mesma quantidade de cartolina para fazer três prismas (abertos nas duas extremidades): um de base triangular, um de base quadrada e outro de base hexagonal.
Como as áreas laterais dos três são equivalentes (as tiras de cartolina são do mesmo tamanho), o de maior volume será aquele cujo polígono da base tiver a maior área. Mas não esqueça: esses polígonos devem ter o mesmo perímetro (comprimento da cartolina).
Com um simples cálculo de área, supondo que as tiras de cartolina tenham 12 centímetros de comprimento, você vai verificar que os polígonos das bases terão respectiva e aproximadamente 6,92 centímetros quadrados, 9 centímetros quadrados e 10,38 centímetros quadrados (considerando que a raíz de 3 é igual a 1,73). Assim, a escolha da base hexagonal para o alvéolo é uma questão de pura economia. Para o mesmo gasto de material, elas constroem o recipiente de maior volume.
Mas o problema realmente interessante acontece no fechamento dos alvéolos. Em vez de construir um hexágono (plano) para cobrir o fundo, as abelhas economizam cerca de um alvéolo em cada cinqüenta, utilizando três losangos iguais colocados inclinadamente.
Pode parecer pouco, mas a economia de 2 por cento que elas conseguem com o fechamento de milhões de alvéolos representa uma grande quantidade. Os ângulos dos losangos de fechamento, inclinados em relação ao eixo radial dos alvéolos, acabaram provocando uma controvérsia que foi didaticamente exposta por Malba Tahan em seu livro. Ele conta que o físico francês René-Antonie Ferchault de Réaumur (1683-1757) observou que o ângulo agudo e, conseqüentemente, seu suplemento (obtuso) não variavam. Isto é, suas medidas eram constantes.
Intrigado, Réaumur mandou buscar alvéolos em várias partes do mundo, como a Alemanha, Suíça, Inglaterra, Canadá e Guiana. Todos apresentavam losangos de mesmo ângulo. O astrônomo francês Jean-Dominique Maraldi (1709-1788) efetuou as medições dos ângulos agudos e encontrou o mesmo valor em todos eles: 70º32. Surpreendido com o resultado, Réaumur propôs ao seu amigo Samuel König, matemático alemão, que resolvesse o seguinte problema: dado um prisma de base hexagonal, devemos fechá-lo em uma das extremidades com três losangos iguais, colocados inclinadamente, para obter o maior volume com um gasto mínimo de material. Qual é o ângulo dos losangos que satisfaz a condição?
Sem saber a origem do problema, König calculou o ângulo como sendo 70º34. Embora a diferença fosse insignificante, de apenas dois minutos em relação aos cálculos efetuados por Maraldi, conclui-se que as abelhas estavam erradas. Isso provocou um verdadeiro rebuliço entre os cientistas que tentavam explicar a questão. O fato chegou ao conhecimento do matemático escocês Colin Maclaurin (1698-1746), que utilizando os recursos do cálculo diferencial recalculou o ângulo e encontrou 70º32. Então, as abelhas estavam certas. Maclaurin mostrou ainda que o engano de König era explicável: ele havia usado uma tabela de logaritmos contendo um errro, daí a diferença de dois minutos.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo