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Usina vai transformar CO2 e luz solar em combustível para aviões

Ela usa uma tecnologia inventada na década de 1920, só que de maneira 100% limpa - e produz um querosene de aviação totalmente neutro em carbono. Veja como.

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 mar 2024, 10h38 - Publicado em 28 out 2022, 13h53

Texto Larissa Pessi e Bruno Garattoni

A aviação é responsável por aproximadamente 2% das emissões totais de CO2 no mundo. Pode até parecer pouco, mas definitivamente não é: dá 760 milhões de toneladas de CO2, o equivalente às emissões de 165 milhões de automóveis.

E o principal é que, ao contrário do que acontece com os carros, que já começaram a se eletrificar, essa mudança será muito mais difícil no setor aéreo: com as tecnologias atuais, as baterias simplesmente não conseguem armazenar energia suficiente para voar por mais de 20 ou 30 minutos. E isso com aeronaves bem pequenas, levando apenas uma ou duas pessoas. Em suma: a aviação é um obstáculo no caminho da descarbonização. 

Mas uma tecnologia pode ter a resposta. Perto da fronteira com a Bélgica, a cidade alemã de Jülich abriga o Parque Brainergy, um hub focado no desenvolvimento de soluções de energia sustentável. É lá que, em setembro, começou a ser construída uma fábrica de combustíveis que serão produzidos a partir do CO2 da atmosfera – e do calor do sol.

Trata-se da DAWN, uma iniciativa da startup suíça Synhelion, que promete ser a primeira usina do mundo a produzir combustível sintético (synfuel) em escala industrial. 

A usina se espalha por um campo de 1.500 metros quadrados, cobertos por heliostatos. Parecidos com painéis solares gigantes, esses aparelhos são formados por espelhos giratórios que concentram e direcionam os raios para uma torre de 20 metros de altura. Dentro da torre há um reator termoquímico, que pesa 12 toneladas e fica cheio de CO2 e água.

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Quando essa mistura é exposta ao calor, vindo dos raios de sol concentrados, ela alcança uma temperatura de 1500 graus – e isso, junto com a pressão dentro do reator termoquímico, converte o CO2 e a água em hidrogênio (H2) e um monóxido de carbono (CO) sintético, que então é processado quimicamente e transformado em querosene de aviação sintético – que pode ser usado no lugar do combustível tradicional. 

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Ilustração mostrando como será a usina piloto da empresa Synhelion, que começou a ser construída na Europa. (Synhelion/Divulgação)

A primeira demonstração do sistema foi feita na sede da do Instituto de Tecnologia de Zurique, do qual se originou a Synhelion, em 2019. A nova usina é um projeto piloto. Se a tecnologia funcionar na prática, a Synhelion diz que seria possível construir mais usinas como essa, e produzir até 875 milhões de litros de combustível solar a cada ano, no mundo, a partir de 2030. O custo, diz a empresa, seria competitivo com o dos combustíveis fósseis: no máximo 1 euro por litro.  

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Ciclo de transformação do CO2 atmosférico e da água em querosene de aviação. (Zoller et al/Reprodução)
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A técnica pode revolucionar a aviação, mas explora um processo químico antigo: o Fischer-Tropsch, desenvolvido pelos alemães Franz Fischer e Hans Tropsch em 1923. Eles inventaram um método para transformar carvão em gás e, em seguida, num combustível sintético.

O processo, em que o carvão era exposto a temperaturas entre 150ºC e 300ºC, chegou a ser bastante usado na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, quando faltou combustível.

Estima-se que mais de 90% do combustível usado nos aviões alemães, e mais de 50% do petróleo fabricado no país durante os anos 1940, tenham sido produzidos via Fischer-Tropsch. No Brasil houve algo parecido. Com o racionamento da gasolina, também nos tempos de guerra, o país utilizou um combustível sintético chamado gasogênio. 

Só que esses processos eram poluentes: afinal, tudo se resumia a queimar carvão, ainda que transformado em outro combustível. A Synhelion também emprega o processo Fischer-Tropsch, mas de forma completamente diferente. A temperatura usada é bem mais alta, e as matérias-primas são outras: energia solar e CO2 da atmosfera.

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E, o mais importante, o combustível sintético é neutro em carbono – pois sua produção retira da atmosfera a mesma quantidade de CO2 que ele libera quando é queimado. 

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Reator termoquímico como o utilizado pela Synhelion. (Zoller et. al/Reprodução)

Além de querosene de aviação, o gás sintético também poderia ser transformado em gasolina ou diesel. Em todos os casos, ele seria um drop-in fuel, ou seja, quimicamente similar aos combustíveis adotados hoje – por isso, os veículos não precisariam de nenhuma adaptação para começar a usá-lo. 

O synfuel em aviões – e além

Em julho deste ano, o Parlamento Europeu determinou que, a partir de 2025, o querosene de aviação deverá conter pelo menos de 2% de combustíveis limpos na fórmula – e o plano é chegar a 85% até 2050.

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O regramento lembra a lei que determina, no Brasil, a adição de etanol (um combustível neutro em carbono, já que a cana-de-açúcar absorve da atmosfera o CO2 liberado quando o etanol é queimado) à gasolina comum, hoje em 27,5% da composição. Além de diminuir a emissão de poluentes, a norma criada nos anos 1990 busca amenizar as oscilações do preço internacional do petróleo.

Em janeiro, a Synhelion firmou uma parceria com a Swiss International Air Lines para abastecer parte da frota dessa empresa com uma mistura de querosene solar já a partir de 2023. A ideia do Grupo Lufthansa, controlador da companhia aérea, é impulsionar a tecnologia do syngas com a construção de uma segunda fábrica, na Espanha. 

A Airbus também está investindo no desenvolvimento de um combustível sustentável de aviação – conhecido pela sigla SAF, sustainable aviation fuel. No ano passado, a gigante europeia realizou um voo teste de três horas a partir do aeroporto de Toulouse, na França, utilizando um querosene 100% sustentável. 

Ele era feito de óleo de cozinha usado, misturado com outras gorduras. A iniciativa faz parte do consórcio SAF+, que busca começar a produzir em escala comercial a partir de 2025.

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Em um relatório divulgado no ano passado, a empresa de pesquisas de mercado Lux, dos EUA, estimou que a produção de synfuels baseados em CO2 poderia chegar a 110 milhões de litros já nos próximos cinco anos. E sua utilização não se limitaria ao segmento energético: os combustíveis sintéticos também são úteis para a indústria química. 

Na cidade chinesa de Tongyezhen, o Grupo Henan Shuncheng está construindo uma fábrica que vai usar CO2 da atmosfera e hidrogênio para produzir metanol renovável, um biocombustível que pode ser usado para várias finalidades – desde solvente industrial até a fabricação de plástico, além de servir como combustível propriamente dito.

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