É cilada, Bino: aranha manipula luz de vaga-lumes capturados para atrair mais deles
Espécie interfere no sistema de comunicação do inseto para trazer mais machos para a armadilha. Entenda a pesquisa que se debruçou sobre o tema.
Vaga-lumes são seres bioluminescentes. Ou seja: são capazes de produzir luz. O processo acontece no abdômen desses insetos, onde uma reação química (com substâncias como a luciferina e o oxigênio) os faz brilhar.
Acredita-se que a capacidade evoluiu nesses animais como uma forma de afastar predadores. Hoje, porém, a principal função da bioluminescência é a comunicação entre os vaga-lumes – que, claro, usam-na para atrair potenciais parceiros sexuais.
Cada espécie dialoga à sua maneira. Mas, segundo um novo estudo, publicado na última segunda (19) na revista Current Biology, esse canal de comunicação pode não ser tão seguro. Assim como o golpista que se passa por você para pedir Pix no WhatsApp, uma espécie de aranha se mostrou capaz de manipular o papo dos vaga-lumes – e, assim, atrair mais presas para a sua teia.
O primeiro a notar esse comportamento da Araneus ventricosus, uma aranha tecelã encontrada em algumas partes da Ásia, foi o zoólogo Xinhua Fu, da Universidade Agrícola de Huazhong, localizada na cidade de Wuhan, na China. O cientista estava em trabalho de campo, investigando vaga-lumes, quando percebeu que, nas teias do aracnídeo, havia muito mais machos da espécie Abscondita terminalis do que fêmeas (que quase não foram avistadas).
Com os A. terminalis, a comunicação, em geral, funciona assim: os machos têm duas “lanternas” por onde emitem flashes intermitentes de luz. As fêmeas, por sua vez, tem apenas uma lanterna, e seu brilho é contínuo.
Mas a presença da aranha alterava esse esquema. Os machos brilhavam como fêmeas, o que confundia outros machos que estavam voando. Os desavisados eram atraídos – e descobriam tarde demais que haviam caído em uma cilada.
Para entender melhor o que estava acontecendo, Xinhua Fu se juntou a pesquisadores da Universidade de Hubei. A equipe foi até áreas próximas de lagos e plantações de arroz e monitorou 181 teias. Nelas, eles definiram diversos arranjos (como retirar a aranha da jogada) e monitoraram o aumento de vaga-lumes.
Os cientistas perceberam que, na presença da aranha, os machos imitavam a piscada feminina – mesmo possuindo duas lanternas, eles brilhavam apenas por uma. Quando o aracnídeo não estava por perto, porém, isso não acontecia.
Alguns machos foram retirados das teias. Após se recuperarem, eles voltaram (ao menos em parte) com o comportamento habitual.
Os pesquisadores acreditam que a aranha consegue manipular o sistema de bioluminescência dos vaga-lumes. Pode ter a ver com a mordida e/ou com o veneno delas, que alterariam a quantidade de oxigênio usada na produção de luz.
Mas são necessários mais estudos para entender exatamente por que essa aranha prefere machos e como se dá a sua manipulação. A hipótese da mordida, por exemplo, precisa ser melhor detalhada, já que as aranhas costumam buscar lugares mais moles para picar, e a lanterna dos vaga-lumes, por outro lado, é rígida.
Essa é só a ponta do iceberg. Os pesquisadores defendem que podem existir um sem-fim de exemplos similares na natureza. Sons, feromônios e diversos outros elementos podem ser manipulados por predadores para aumentar o número de presas. Na selva, afinal, vale de tudo para garantir o jantar.